Faz tanto tempo que eu não poeto
que as palavras Ferrugem rubras
me olham de lado
Barbas longas, braços cruzados, olhares sentidos
E vem de pirraça, arrastadas, pesadas
a dar-me a mão mole
má vontade explícita
A desempoar as roupas
e prostrarem-se insatisfeitas
na pintura-retrato-poema
que eu largo da ponta do lápis
no alvo do papel.
Voltei.
Monnique São Paio
2011
domingo, 25 de maio de 2014
Dos olhos abertos de um menino
O lugar era desconhecido, mas a sensação era familiar.
Sabia onde estava,com quem estava, o que deveria fazer e como fazê-lo.
Eles queriam caminhar na trilha.
Entre eles e a relização de seu desejo, uma grade. A grade de metal, embora alta e com uma cerca elétrica no topo, não era tão ameaçadora assim, então eles escalaram e pularam sobre ela.
Sem nem ao menos notar o quão fácil havia sido ultrapassar o obstáculo, ele percebeu que as coisas não continuariam tão simples quando viu que havia deixado a mochila do outro lado.
Suspirando e aceitando a situação, não havia nada a fazer além de escalar de volta e recuperar o objeto. É claro que desta vez, a cada tentativa, ele foi surpreendido pelo contato da cerca elétrica. E, mesmo que os choques não fossem o suficiente para impedi-lo de tentar mais uma vez, e outra, e outra, eventualmente foi preciso jogar a toalha.
Foi aí que ele fechou os olhos.
Ele abriu os olhos. Respirou fundo.
A clareira era bonita, a trilha tinha valido a pena.
Esperar pelos outros, no entanto, era um pouco menos divertido, então ele resolveu voltar e ver o que os estava atrasando.
Retornando pelo caminho, ele ouviu as vozes antes de ver o movimento, e viu o movimento cessar antes de poder definir as silhuetas.
E então, com o afastar de um galho mais baixo, ele viu a cena por inteiro.
Os olhares chocados, a cena estática. Tudo tão previsível.
Se aproximou e olhou para baixo, seu corpo inerte no chão.
Respirou fundo.
E fechou os olhos.
Ele ainda estava na clareira, e mesmo após imaginar o pior cenário possível para o atraso dos amigos, a visão da realidade conseguiu ser ainda pior.
Retornando pelo caminho, ele viu primeiro a fumaça, depois os troncos incandescentes.
Eram troncos enormes de árvores em chamas, quase como se ainda estivessem plantados.
Gritando para as pessoas ao redor para tentar descobrir o motivo, recebeu a resposta de que
os garis tinham pedido que se fizesse uma fogueira para queimar o lixo. A fúria foi crescendo
como as chamas à sua frente, até tingirem de vermelho seu rosto e seus olhos.
Ele só percebeu que estava correndo quando diminuiu a velocidade para pegar a primeira coisa que encontrou pela frente: uma pá. De pá na mão, e sem camisa (que ele também não reparou quando tirou), pôs-se a correr ainda mais desesperamente na direção dos responsáveis.
Quanto maior a velocidade, maior a distância , maior a angústia pesando em seu peito.
O sentimento era de urgência. Ele tinha que chegar lá.
Junto com o som do vento em seus ouvidos, veio um outro som, gutural, quase monstruoso. Um grito de dor. Ele ainda estava correndo quando percebeu que o grito saía de sua própria boca. Só então fechou os olhos.
Ele abriu os olhos. Respirou fundo.
E reconheceu onde estava. Sua cama, seu quarto.
terça-feira, 6 de maio de 2014
De uma viagem diferente...
Normalmente, eu sou a louca da viagem.
Aquela que acha que dormir é para os fracos, que todas as vistas devem ser vistas - e devidamente registradas, seja em fotografias, filmagens ou mesmo na memória; que todos os passeios devem ser feitos, e todos os lugares visitados - especialmente as igrejas e os museus e os parques; que toda comida deve ser experimentada, ao menos uma vez.
Eu penso que cada viagem é única e que pode ser a última, e que eu posso nunca mais ter a chance de visitar aquele lugar de novo, e ai de você se ficar no meu caminho, se preferir deitar ao sol ao invés de caminhar ponta a ponta da praia atrás daquela gruta espetacular.
Eu estou aprendendo a apreciar os momentos inertes, mas ainda não. Eu ainda preciso estar em movimento, preciso usar minhas pernas fortes, minha mente sã, meu vigor. Quando eu estiver velha, daí eu sento, descanso, resolvo acordar bem tarde no meio de uma viagem.
Isso me deu momentos incríveis. Eu andei de barco sozinha até a estátua da Liberdade,mesmo sem poder subir por ela; percorri Paris em seus pontos turíticos - sem tempo para entrar em nenhum deles; comi queijos e mais queijos e carne de coelho; visitei 4, 5 lugares num mesmo dia, com tenis amortecedores pra aguentar o passo apressado, fiz coisas que nunca imaginei q faria, como nadar com tubarões e andar em cada um dos brinquedos do Walt Disney World - mesmo os mais chatinhos pra crianças pequenas.
Nessas idas e vindas, eu me diverti. Muito. Não me entenda mal. Mas às vezes tenho a sensação que a corrida por fotos e por ver tudo que meu olhos possam alcançar tenha me tirado a chance de observar os detalhes. Eu vi o jardim, mas perdi o ruflar de asas da borboleta.
Essa ultima viagem foi diferente. O objetivo da viagem era ir a duas reuniões, e eu me planejei pra ficar na cidade por dois dias a mais que o necessario - um antes e um depois. Fiquei hospedada na casa de uma amiga, que mora com os pais e uma irmã gêmea. Ambas as irmãs são extremamente atenciosas e preocupadas com a segurança.
Por varios fatores, por conta da chuva, dos compromissos e da propria segurança, passamos a maior parte do tempo em casa. Mesmo q eu me sentisse, num primeiro momento, desperdiçando meu tempo, que poderia ser gasto em desvendar a cidade, acabei respirando mais fundo e olhando outras coisas.
Eu vi os detalhes da casa, e como ela tem cheiro de lar, com suas fotos e suas porcelanas. Eu vi a rotina de uma familia que poe e tira a mesa simultaneamente de forma tão natural que seus movimentos parecem ensaiados, quase passos de dança. Vi duas irmãs que fazem favores a todo momento uma pra outra, mesmo que acabem discutindo quando é pra jogar cartas.
Ao invés de fotografar a vista, eu fotografei o gatinho de olhos verdes e arco-iris que despontou por trás da mangueira do vizinho. Ao invés de observar as trilhas dos parques, eu observei as curvas do corpo do gato ao espreguiçar dos bigodes até a ponta do rabo.
Eu vi como bocas se mexem, como dedos se fecham, como a chuva cai, como o sol desponta primeiro pelo refleto dos poucos predios altos que estão sendo construídos no bairro.
E assim, entre pessoas e lugares e bichinhos, eu fiz uma viagem que não teve visita guiada nem vistas panoramicas, mas nem por isso deixou de ter um vislumbre sobre a vida de outros nem uma vista que valha a pena ser vista.
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