sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

De coisas retiradas do fundo da gaveta #1

Entao... acabei achando umas coisas velhas e esquecidas nos meus arquivos na hora de fazer a faxina desse ano... e vou postar algumas delas aqui. 



#1 - De Clarice e (não) de mim

Estava lendo Clarice- e Clarice sempre me surpreende ao escrever as coisas com a simplicidade de quem as sente e nos fazer sentir que era algo tão simples e natural que nós mesmos deveríamos ter escrito, mas não o fizemos – e lembrei-me de uma piadinha de escola em que eu era chamada de Clarice.
Nunca soube se pela comum incapacidade de compreensão dos meus colegas tanto a Clarice quanto a mim (o que não é de modo algum insulto à inteligência deles, é antes afirmação de minha própria incompreensibilidade. Tampouco é pretensão minha comparar-me a Clarice, como logo explicarei), ou se pela influência que a autora tem, muitas vezes, nas minhas incursões literárias, ou se por alguma estranheza quanto ao mundo que às vezes me acomete e transborda dos meus dedos e olhos.
Foi, enfim, pensando nessa comparação e lendo uma coletânea fantástica de Clarices (que cada vez mais se multiplicam e ainda assim formam um todo inseparável e quase palpável pra mim, mas antes de tudo, etéreo) que resolvi defender-me do apelido ou, antes, defender Clarice.
Já disse várias vezes – e pensei outras tantas – que meus escritos são perceptivelmente influenciados pelos autores que li, em especial os que estou lendo no momento. Portanto, se esse texto sair meio clariceano, não tentem encontrar a chama de Clarice em mim, antes aceitem que a chama de Clarice é de Clarice, e eu sou o pires que meramente reflete a chama, sem ser vela.
Isso dito, não posso ser comparada a Clarice, porque me falta algo. Ou a ela falta algo. Ou ainda, nada falta a mim nem a ela, e exatamente por isso não somos comparáveis.
Clarice, ao que me parece (que é retirado de uma imagem do que me retratam suas palavras, e seus caminhos e seu sorriso torto e olhar vago e profundo que eu vislumbrei em uma gravação de entrevista) viveu em profundo contato consigo mesma, sem por isso tentar se explicar ou se compreender, mas, acima disso, ela tentava se exprimir. Eu tendo a buscar em mim razões de ser quem sou e me entender, e me analisar, o que pode ser bom ou não. E, no meu caso, são ambos.
Clarice tinha olhos abertos desde pequena, e ainda que visse o essencial e o amplo, ainda sim via o aparente e o restrito, e punha ambos em contato e os misturava e os distinguia, sem se perder, ou a eles. Meus olhos se abrem aos poucos, e me revelam coisas tão absurdamente óbvias, que quase me envergonho de ter vivido tanto sem as ter notado.
Clarice tinha ânsia de escrever, e conhecia a magia das palavras que saem de nós e nos são filhas e nos rejeitam: foram nossas apenas no breve período em que as gestamos, da ponta da mente à ponta do dedo. Depois disso são alheias a nós, e nos repelem, e nos são estranhas. Essa, aliás, talvez seja a única semelhança entre nós.
Clarice escrevia. E isso por si só é motivo final e absoluto. Eu penso e, covarde e preguiçosa e má, deixo as palavras se esgotarem em mim. São abortos voluntários que me doem, mas uma vez perdidos e longe do papel, não mais posso voltar atrás. Justo eu, que gosto tanto da vida, em especial daquela que não é só minha pra se manter.


 E tanto mais eu poderia falar, e tanto mais eu poderia pensar que me separam e nos diferenciam. Mas a mera tentativa de comparação com ela já me é tão pretensiosa e exagerada, que me limito aqui, já surpresa com a ousadia de ter escrito esse tanto.

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