domingo, 28 de fevereiro de 2010

Sei que tem muita coisa ainda a ser dita sobre os efeitos da televisão na massa, e blá blá blá...

Mas acho que td mundo já leu pelo menos uma vez sobre a alienação que a tv provoca na gente, e a falta de interação social e o teor ridiculamente banal das programações televisivas qeu rodam por aí.

E tenho dito que o grau de banalidade é diretamente proporcional ao grau de audiência da programação.

Mas não, não mudem de canal (ou de página) não vou ficar aqui discorrendo sobre a imbecilidade dos programas até chegar (demoradamente) à conclusão de que somos todos manipulados pela entidade invisível e não -palpável da Mídia. (alguém já reparou que é assim que a tratamos? Mídia ((com M maiúsculo)) : algo a se temer e se render).

Não é isso - pelo menos não dessa vez - que eu vou abordar.

É mais o fato de que a constante exposição dos espectadores à desastres (sejam eles naturais ou causados pelo homem) acaba nos tornando insensíveis à coisas importantes, especialmente a vida humana.

Sou só eu ou alguém mais notou que a comoção que o World Trade Center causou em 2001 foi notavelmente maior que a da tragédia haitiana na virada do ano?? Ou que o incidente Haiti levantou mt mais recursos e demonstração de solidariedade que o Chile dessa semana?

Seriam os americanos de 2001 mais importantes q os haitianos de agora? Ou os chilenos?

Não critico a fantástica base de troca de informações que permite ao mundo acompanhar o que acontece em vários países no momento que acontece.. Só a facilidade de se comover e descomover de uma audiência estática e volúvel.


Não sei como rola essa vida de bloggeira..
Não sei nem mesmo se é isso que eu estou tentando ser...
Mas que adolescente sabe, afinal?
Dizem que somos um barco de confusão à deriva num mar de informações contrastantes.

Não... ninguém diz isso além de mim...

Isso dito, aí vai o post do dia (que pode não ter nada a ver com o que acabei de dizer):

O livro da Solidão, de Cecília.

O Livro da Solidão

Cecília Meireles


Os senhores todos conhecem a pergunta famosa universalmente repetida: "Que livro escolheria para levar consigo, se tivesse de partir para uma ilha deserta...?"

Vêm os que acreditam em exemplos célebres e dizem naturalmente: "Uma história de Napoleão." Mas uma ilha deserta nem sempre é um exílio... Pode ser um passatempo...

Os que nunca tiveram tempo para fazer leituras grandes, pensam em obras de muitos volumes. É certo que numa ilha deserta é preciso encher o tempo... E lembram-se das Vidas de Plutarco, dos Ensaios de Montaigne, ou, se são mais cientistas que filósofos, da obra completa de Pasteur. Se são uma boa mescla de vida e sonho, pensam em toda a produção de Goethe, de Dostoievski, de Ibsen. Ou na Bíblia. Ou nas Mil e uma noites.

Pois eu creio que todos esses livros, embora esplêndidos, acabariam fatigando; e, se Deus me concedesse a mercê de morar numa ilha deserta (deserta, mas com relativo conforto, está claro — poltronas, chá, luz elétrica, ar condicionado) o que levava comigo era um Dicionário. Dicionário de qualquer língua, até com algumas folhas soltas; mas um Dicionário.

Não sei se muita gente haverá reparado nisso — mas o Dicionário é um dos livros mais poéticos, se não mesmo o mais poético dos livros. O Dicionário tem dentro de si o Universo completo.

Logo que uma noção humana toma forma de palavra — que é o que dá existência ás noções — vai habitar o Dicionário. As noções velhas vão ficando, com seus sestros de gente antiga, suas rugas, seus vestidos fora de moda; as noções novas vão chegando, com suas petulâncias, seus arrebiques, às vezes, sua rusticidade, sua grosseria. E tudo se vai arrumando direitinho, não pela ordem de chegada, como os candidatos a lugares nos ônibus, mas pela ordem alfabética, como nas listas de pessoas importantes, quando não se quer magoar ninguém...

O Dicionário é o mais democrático dos livros. Muito recomendável, portanto, na atualidade. Ali, o que governa é a disciplina das letras. Barão vem antes de conde, conde antes de duque, duque antes de rei. Sem falar que antes do rei também está o presidente.

O Dicionário responde a todas as curiosidades, e tem caminhos para todas as filosofias. Vemos as famílias de palavras, longas, acomodadas na sua semelhança, — e de repente os vizinhos tão diversos! Nem sempre elegantes, nem sempre decentes, — mas obedecendo á lei das letras, cabalística como a dos números...

O Dicionário explica a alma dos vocábulos: a sua hereditariedade e as suas mutações.

E as surpresas de palavras que nunca se tinham visto nem ouvido! Raridades, horrores, maravilhas...

Tudo isto num dicionário barato — porque os outros têm exemplos, frases que se podem decorar, para empregar nos artigos ou nas conversas eruditas, e assombrar os ouvintes e os leitores...

A minha pena é que não ensinem as crianças a amar o Dicionário. Ele contém todos os gêneros literários, pois cada palavra tem seu halo e seu destino — umas vão para aventuras, outras para viagens, outras para novelas, outras para poesia, umas para a história, outras para o teatro.

E como o bom uso das palavras e o bom uso do pensamento são uma coisa só e a mesma coisa, conhecer o sentido de cada uma é conduzir-se entre claridades, é construir mundos tendo como laboratório o Dicionário, onde jazem, catalogados, todos os necessários elementos.

Eu levaria o Dicionário para a ilha deserta. O tempo passaria docemente, enquanto eu passeasse por entre nomes conhecidos e desconhecidos, nomes, sementes e pensamentos e sementes das flores de retórica.

Poderia louvar melhor os amigos, e melhor perdoar os inimigos, porque o mecanismo da minha linguagem estaria mais ajustado nas suas molas complicadíssimas. E sobretudo, sabendo que germes pode conter uma palavra, cultivaria o silêncio, privilégio dos deuses, e ventura suprema dos homens.

(SÃO PAULO, FOLHA DA MANHÃ, 11 DE JULHO DE 1948.